Leça da Palmeira Antropológica - XII

Depois da descrição da Igreja Matriz de Leça da Palmeira pelo seu exterior passamos ao interior, começando por apreciar o belo guarda-vento, em madeira de riga encerada.
Sobre o guarda-vento existe o coro que em tempos teve arcos e abóbada, sofrendo obras de modificação em 1873, a fim de dar passagem da torre Sul para a Norte, uma vez que esta não pode ter escadas de acesso devido aos dois grandes pesos graníticos das respectivas cordas do relógio.
Interiormente encontramos um templo de três naves, com cinco arcos de cada lado, sobre quatro colunas em cantaria com base e capitel e mais duas embebidas no frontispício, em cantaria à vista.
O chão, talhado a granito, em sepulturas, outrora muradas, e onde jazem as cinzas de muitos dos nossos antepassados; com tampos em macacauba e pau cetim.
O tecto das naves, em castanho velho encerado, com ornatos em talha dourada. Tem setenta e cinco caixotões na nave central e quarenta e cinco em cada uma das laterais. Estes, caixotões foram colocados em 1735 e copiados pelos então existentes no tecto da capela-mor.
A iluminação natural faz-se por janelas rasgadas nas paredes, das quais por obra mandada fazer a expensas de D. Adelina Leite Nogueira Pinto Domingos de Oliveira, foram retiradas as grossas grades de ferro e substituídas por singelos vitrais artísticos.
Neste percurso em direcção ao altar-mor, associámo-lo à caminhada ou à preparação em direcção à zona principal do culto encontrámos, diversos altares:
À nossa direita, o Retábulo do Senhor Morto, apresenta a curiosidade de a mesa do altar ser um mostrador rectangular de linhas simples, onde jaz a belíssima escultura articulada do Senhor Morto (século XIX) que era exposta no passo do Calvário ao terminar a Procissão dos Passos.
O retábulo tem ao centro uma imagem da Senhora do Rosário e aos lados as de São José e a de S. João Baptista. Duas esculturas do século XVII, provenientes da Capela de Sant’Ana.
Do lado esquerdo o Retábulo das Almas ou da Senhora do Carmo, bastante trabalhado nas colunas e entablamentos, é uma obra do século XIX com características maneiristas.
A este retábulo preside uma belíssima escultura do século XX, da autoria de José Ferreira Tedim.
Nas laterais estão as esculturas de São Bento e São Brás.
Mais à frente, do lado direito o Retábulo do Senhor dos Passos.
Preside a este retábulo a realística imagem do Senhor dos Passos que sai na majestosa procissão que anualmente percorre as ruas de Leça da Palmeira debaixo de elevado respeito e devoção.
Trata-se de uma imagem com o corpo bem modelado, não é uma imagem de roca.
Em mísulas laterais estão duas imagens, o Senhor preso a coluna e “Ecce Homo”.
Do lado oposto, o Retábulo do Coração de Jesus, na capela que actualmente lhe é dedicada, mas outrora já o foi a S. José, a Santa Quitéria e também a S. Lourenço.
Salienta-se deste retábulo ensamblado em 1906, mas sendo uma peça do barroco a escultura do Santíssimo Coração de Jesus, em tamanho natural, da autoria do mestre Francisco Couceiro, e oferecida por D. Adelaide Leite Nogueira Pinto.
Nos nichos laterais a Rainha Santa Isabel feita por Teixeira Lopes e o Beato Nuno Álvares Pereira.
Lateralmente ao frontispício da capela-mor temos do lado esquerdo o Retábulo de São Miguel, onde encontramos a imagem do padroeiro da freguesia numa escultura que constitui uma verdadeira obra prima do mestre Guilherme Tedim, encomendada pela respectiva confraria em 1933. No mesmo altar, lateralmente temos Santo António e São João de Brito.
Do lado direito o Retábulo de Nossa Senhora de Fátima, onde ao centro temos a imagem da Senhora de Fátima esculpida por mestre Guilherme Tedim apresenta uma candura e transmite uma bondade das suas feições faciais que tocam o coração de quem a observa.
No mesmo altar temos Santa Lúzia, advogada dos olhos, e o Mártir São Sebastião oriundo da respectiva capela que ficava do outro lado da rua. Já sobre o altar duas imagens, mais recentes, dos Beatos Francisco e Jacinta.
Prosseguindo o nosso caminho chegamos à Capela-Mor, com o seu retábulo, muito antigo, construído em madeira e profusa talha dourada.
Ao centro deste retábulo um trono maravilhoso, muito bem concebido e executado, lateralmente temos as imagens de Santa Apolónia, advogada das dores de dentes, Santiago e São João Evangelista oriundo da Capela do Corpo Santo. Esta Capela-Mor tem lambrim em azulejo.
À entrada da Capela-Mor está a imagem da Senhora da Conceição, proveniente do Convento Franciscano da Quinta da Conceição e que será oportunamente objecto de uma referência própria.
Na sacristia destacamos, numa moldura a “autêntica” (certidão da relíquia) do Santo Lenho e a respectiva cruz-relicário que costuma ser levada sob o palio nas Procissões dos Passos do Senhor.
À saída o baptistério fechado por umas grades em ferro forjado com um interessante e pormenorizado trabalho. No seu interior para além da Pia Baptismal, uma imagem de Santa Isabel, prima de Santíssima Virgem.
Vê-se assim que vale a pena entrar e observar a nossa igreja com atenção, por isso aproveitem porque se trata de uma das poucas igrejas frequentemente abertas.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 7 - Outubro de 2009

Leça da Palmeira Antropológica - XI

Integrado no ciclo de visitas às “Sete Maravilhas de Leça da Palmeira” guiámos, com grande orgulho, a convite do Dr. Luís Soares da Junta de Freguesia, a referente à nossa Igreja Matriz.
Na preparação da referida visita consultámos diversa documentação que nos permite referir que em Leça da Palmeira terá existido primitivamente um templo de pequenas dimensões, e que durante muito tempo se julgou poder ser idêntico à Igreja Românica de Cedofeita, até pelas ligações a D. Mafalda, sua patrona, que em 1222 doou os seus direitos (impostos) sobre a nossa igreja ao Convento de Arouca.
Contudo, segundo informação do Sr. Padre Lemos, quando de uma das últimas obras, foram postas a descoberto nas paredes laterais da Capela – Mor duas janelas antigas, em tudo semelhantes às existentes na Capela de Santa Catarina, o que o levou a concluir deverem ser do templo primitivo, e logo o nosso primeiro templo poder ser idêntico àquela Capela.
O templo primitivo nunca seria grande quer pela dimensão do povoado quer ainda porque em Leça sempre houve muitas capelas; nomeadamente a da Boa – Nova (oratório de São Clemente das Penhas, antes de 1369), de Santa Catarina, de Sant’Ana, do Corpo Santo, da Senhora de Piedade ou do Espírito Santo, de São Francisco, do Ruas ou do Sagrado Coração de Jesus, para além das desaparecidas, de São Sebastião (em frente à igreja) de São Roque (em Gonçalves), da Senhora da Apresentação ou da Ponte, e da Nossa Senhora das Necessidades, à entrada do Convento da Conceição.
A construção da Igreja Matriz de Leça da Palmeira não apresenta um estilo definido, pois foi evoluindo na sua forma ao longo dos anos, sendo “…tradição que a mandou fazer o Senhor Rei Dom Sebastião”. Assim respondeu em 1758, o nosso pároco as “Memórias Paroquianas” ordenados pelo Marquês de Pombal.
Assim, partindo de um pequeno templo já antes de 1222, existente no mesmo local, encontramos referência, cerca de 1570, à construção da capela-mor, com o tecto apainelado, o corpo da igreja de proporções similares às de hoje, com duas naves laterais mais baixas que a central, obrigando a um telhado com três águas, com menor pé-direito, sacristia só com o compartimento que dá acesso à capela – mor. Campanário do lado sul, em muro baixo com um sino ou dois.
Em 1648, conforme registado na padieira da porta de acesso à sacristia, foi a capela – mor e frontispício revestidos a azulejos tricolores.
Em 1681, foi construída a capela, actualmente do Sagrado Coração de Jesus, à data dedicada a São José (depois de Santa Quitéria e de São Lourenço) a mando do Abade Manuel de Oliveira, para sua capela mortuária e de seus sucessores, conforme lápide existente na parede da mesma.
Esta capela tem uma cripta, fazendo-se o acesso por uma escada de pedra através de uma abertura no pavimento. Contava-se que no tempo do Abade Mondego a cripta teria sido aberta e ao fundo da escada estaria um esqueleto na posição de sentado. Ora já no tempo do Sr. Padre Lemos a cripta voltou a ser aberta e de facto os ossos do esqueleto lá estavam tendo sido acondicionados da forma e com o respeito que merecem e depositados no esquifo respectivo.
Em 1735 foram efectuadas grandes obras tendo sido desfeitas paredes laterais e refeitas com quatro palmos de largura, apeada a cimalha da nave central e construídas novas paredes até à altura necessária para dar saída à água, ficando o telhado com duas abas iguais. Foram colocadas as partes de cantaria na fachada e quatro pirâmides nos quatro cunhais.
A sacristia é aumentada para sul e a torre existente, a sul, é elevada até ao algeroz e daí para cima tem três sineiros.
Existe uma placa na sacristia referindo estas obras como tendo sido realizadas em 1790, o que está errado pois o padre que as mandou fazer faleceu em 1744.
Entre 1735 e 1737, foi construída pela respectiva confraria, a Capela do Senhor dos Passos.
Entre 1770 e 1778, foi feita a ampliação da capela-mor e a elevação do arco cruzeiro, o que motivou a perda dos azulejos aí existentes, bem como dos caixotões do tecto que passou a ser em abóbada revestida a madeira e com um bonito remate de talha dourada.
Em 1812, de referir o melhoramento da torre sineira que passou a ter quatro sinos.
Em 1873, temos a grande reforma mandada fazer por João Pinto de Araújo, o mesmo que mandou erguer o miramar (castelinho) na foz do rio Leça e que hoje se encontra na nossa praia.
Construiu-se a torre norte, com relógio e um único sino. Foram rebocadas as paredes, colunas e arcos revestidos fingindo o mármore, bem como as paredes da capela-mor.
Foram mandados fazer dois portais mais ao fundo da igreja, para receberem dois retábulos.
Entre 1903 e 1931, foi acrescentado um salão a nascente da sacristia velha.
Em 1937, foram substituídos todos os taburnos (tampos) no pavimento e os grandes envidraçados em volta da igreja.
De 1945 a 1970, já no tempo do Sr. Padre Alcino Vieira, verificou-se o grande restauro da igreja, começando pelas paredes exteriores que foram devidamente rebocadas. O telhado revisto. As colunas e arcos picados e limpos, e tecto restaurado, restituindo-os à origem. Os púlpitos apeados e o baptistério, remodelado.
Do altar-mor foi removida a imagem da Senhora da Conceição de Leça da Palmeira. Reformado e enriquecido todo o retábulo - mor, onde se repôs o sacrário até aí no altar do Senhor dos Passos.
O trabalho do retábulo do altar – mor foi feito pelo mestre Guilherme Thedin.
De 1979 em diante, já com o Sr. Padre Lemos, temos a difícil missão de conservar todo o património paroquial, sendo tão difícil construir como conservar. Contudo, neste período foi feito todo o arranjo do adro, foram colocados mostradores de horas nas duas torres, e carrilhão de seis sinos na torre norte.
De referir que esta nossa igreja também tem provocado manifestações de arte tais como: um desenho feito por um súbdito inglês em 1826, no qual se representa um templo com portal manuelino, um cruzeiro e a capela de Sant’Ana, o que nos lavaria a concluir tratar-se de uma representação da Igreja Matriz; mas conversando com o Dr. J. Varela surgiu a hipótese de ser a igreja do Convento da Quinta da Conceição, o que merece ser analisado. Também os artesãos Sr. Macedo da Silva, de Gonçalves e Mestre Zé Cartaxo nos presentearam com belos exemplares de maquetas da Igreja; isto para além da representação medalhistica da autoria do Mestre Manuel Nogueira.
Visto o edifício em si, o interior fica para outra oportunidade.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 6 - Agosto/Setembro de 2009

Leça da Palmeira Antropológica - X

Faz parte das tradições leceiras, chegado o mês de Junho, comemorar os Santos Populares, com mais forte incidência no S. João, sendo imprescindível para além dos bailaricos, fazer a cascata
Nas cascatas leceiras sobressaem as dos senhores José Moreira, nosso vizinho, e do João Soares. Duas cascatas movimentadas, com grande pormenor, representando cenas e pessoas da vida local, feitas com todo o cuidado e com a preocupação de tudo registar.
Não sabemos dizer como começaram as cascatas, mas que se trata de uma tradição muito antiga disso não temos dúvidas, pois já a nossa mãe Brízida contava como em casa do nosso avô Joaquim Rocha, era hábito armar a cascata.
Somos de opinião que as cascatas originais pretenderiam representar a cidade do Porto vista do lado de V.N. de Gaia, e que não será por acaso que os fabricantes dos bonecos ou “santinhos”, também conhecidos por “ mascateiros”, se situam em freguesias daquela cidade, como é o caso do mais conhecido actualmente, o senhor Zé Tuta.
Estes artífices escoavam os seus produtos para a cidade do Porto provavelmente tendo-os feito chegar a Leça, através da venda na Feira da Louça, durante as Festas do Senhor de Matosinhos.
O cenário estava montado pois podemos facilmente dizer que a topografia do Porto se assemelhava à de Leça da Palmeira, e com as figuras representativas ali à mão nada faltou, embora a rapaziada começasse por montar e desmontar a cascata à porta de casa com o intuito de pedinchar “um tostãozinho para o Santo António”, a fim de juntar alguns cobres e assim comprar mais uns bonecos, outros havia, como no nosso caso, em que a cascata era feita numa “caseta” existente no quintal, para o que cobríamos o espaço com carvalhos que íamos buscar para os lados de Camposinhos e com musgo apanhado na presa da Ramalhona, e areia fazendo as ruas, dávamos largas a uma manifestação artística com o seu quê de “naief”.
Assim lá no alto não podia faltar a igreja com o trono para os santos, ocupando cada um deles a posição central até ao seu dia. Cá em baixo um lago com água, talvez representando o rio Leça, que por vezes até com repuxo, e em volta “jorra” que o nosso pai Moisés, ia buscar à linha de Leixões. Uma ponte, emitando a de Pedra, as lavadeiras, a azenha do moleiro, o pescador; um pouco mais acima um castelo, nem mais nem menos o Forte de Nossa Senhora das Neves e estrategicamente colocados no espaço lá apareciam as figuras representando as artes, tradições, usos e costumes – o polícia a prender a leiteira, o sapateiro, um moinho de vento, uma “rifa”, bailarico popular um largo, que bem poderia ser o das Icas, onde não falta o homem a subir ao mastro tentando ganhar o prémio que está lá em cima - um bacalhau, uma regueifa e uma garrafa de vinho.
A parte agrícola também aqui não era esquecida e lá aparece o homem da croça, o pastor e os seus rebanhos de ovelhas, etc.
Que mais queremos para dizer que uma cascata tradicional representa Leça da Palmeira da igreja até ao mar? Atrevemo-nos a responder, nada, pois está cá tudo.
No caso do sr. João Soares, que foi um artista de inegáveis qualidades, nas horas vagas da sua profissão de alfaiate, dedica-se a fazer bonecos, casas e tudo mais que uma cascata insere.
Esta costumava ser visitada por numerosas crianças e por individualidades ligadas à vida artesanal, etnográfica, etc. A sua casa era um verdadeiro museu da “sua” arte. De resto herdou o jeito e a cascata de seu pai, Francisco Soares, portageiro da APDL e que se evendiciou com as miniaturas de barcos.
Devemos aqui dizer que o sr. João Soares faleceu em 2006, e que de seu pai nos recordamos de ver sempre de canivete, esculpindo pequenas peças para os seus barcos, dos quais possuímos um.
Também queremos referir aqui a cascata do sr. José Moreira que ao longo dos anos vai recriando os diferentes espaços de Leça, como a própria praia, com farol, castelinho as barracas das banheiras e as dos banhistas. A igreja de Leça e a Procissão dos Passos; a Capela do Corpo Santo, etc. O sr. José Moreira procurou sempre nas suas representações dar-lhe autenticidade e verdade histórica chegando as procissões a parecerem as do tempo do António das Cardosas, com os estandartes, os anjinhos, os andores, as confrarias e até a banda de música, e todas com o traje que antigamente era obrigatoriamente usado com todo o rigor nas procissões leceiras, com fato preto e sapatos a condizer.
O Rancho Típico da Amorosa tem vindo a efectuar o concurso anual das cascatas e que permite manter acesa a chama da tradição que cada um de nós leceiros não deve deixar apagar.
Eu, por mim respondo, fazendo todos os anos a minha cascata de modo tradicional com “santinhos” de barro procurando divulgar esta tradição, e para que conste aqui fica o registo de algumas destas cascatas.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 5 - Julho de 2009

Leça da Palmeira Antropológica - IX

Continuando com o mercado municipal de Matosinhos devemos referir para além da qualidade do projecto, com uma concepção que levou ao emprego de tecnologias à data inéditas, mas que a direcção técnica da construção da responsabilidade do Eng.º Luís José de Oliveira permitiu, com mestria, transformar uma obra arrojada pioneira, apoiada à semelhança do que já se fazia noutros países, na aplicação de novos materiais como o betão armado; numa obra admirada, alvo de curiosidade dos técnicos que a visitavam.
A construção dos arcos parabólicos foi feita recorrendo a pontes rolantes para o deslize da cofragem respectiva, algo inédito à data, e que fez uma vez mais salientar as virtudes da engenharia portuguesa.
Tudo no mercado de Matosinhos se tornou racional desde o projecto que teve que contar com as dificuldades económicas e ainda com os efeitos inflacionistas consequente da II Guerra Mundial, levando inclusivé ao estudo da abóbada ao pormenor máximo de modo a obter as secções mais económicas e com um mínimo de ferro, alvo de racionamento e cujo uso era alvo de um controlo muito rigoroso.
Contudo, os efeitos estéticos não encareceram a obra pois foram judiciosamente obtidos pelo estudo racional da planta em conjunto com os alçados e cortes de forma e conseguir-se volumes harmoniosos e originais.
Proporção nas superfícies, harmonia de linhas e de cores, variedade de volumes, são os recursos que a arquitectura moderna, valendo-se das possibilidades de certos materiais novos e relativamente económicos contrapõe às custosas concepções artísticas dos estilos antigos, nestes edifícios de carácter utilitário.
Os grandes pavilhões, apesar de constituírem a maior parte das vezes objectos de arquitectura autónomos, tornaram-se pela sua escala monumental símbolos na cidade, caracterizando a área em que se inserem. No contexto dos anos 40, já não se mostrariam “monumentais” no sentido historicista da representação de determinado poder, mas uma perspectiva funcionalista, que garantia o bem estar da colectividade.
A abóbada rasgada por ritmadas cortinas de luz, trás uma atmosfera rica em contrastes, conferindo uma grande espacialidade ao edifício.
No Mercado de Matosinhos pôs-se em prática a mais consequente exploração das novas possibilidades do betão, directamente noutros modelos já realizados na Europa; tendo afinidades com o Mercado de San Augustin, na Corunha, e o Mercado dos “Les Halles Centrales de Reims”, em França. Mas outros projectos nacionais se lhe assemelham, nomeadamente o Pavilhão de Exposições no Cais de Gaia, demolido em 2002. O Projecto do Mercado de Chaves e o do Bom Sucesso, embora este com outro desenvolvimento.
A colaboração entre artistas foi uma vez mais exemplo, também neste edifício; pois, a convite do ARS – arquitectos, foi proposta à Câmara Municipal de Matosinhos a execução de dois painéis cerâmicos para a frontaria principal a que viriam a juntar-se outros dois laterais com o brasão do concelho da autoria do ceramista matosinhense Américo Soares Braga, com o curso das Belas Artes do Porto e fazendo parte do grupo + Além.
No interior da loja situada no canto sul da fachada principal, utilizada durante anos como posto de turismo, teve um fresco da autoria de Augusto Gomes, e que infelizmente se “pôs ao fresco”.
Perante esta panorâmica resta-nos sugerir uma visita ao Mercado Municipal de Matosinhos pois o mesmo tem motivos de sobra que merecem ser vistos no seu aspecto estético, mas também os comerciantes são de uma simpatia impar para quem sabe respeitá-los.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 4 - Junho de 2009

Leça da Palmeira Antropológica - VIII

















O mercado de Matosinhos é por si só um ícone no horizonte próximo quando os leceiros olham para o outro lado das instalações portuárias.
Assim tal edifício levou-nos a uma vez mais, abordarmos e desenvolvermos um tema de interesse local num trabalho teórico da disciplina de Reabilitação de Edifícios superiormente ministrado pelo Arquitecto Manuel Cerveira Pinto do Curso de Mestrado Integrado que frequentámos na Universidade Fernando Pessoa.
Ora, o mercado municipal esteve desde 1855 destinado a nascer em Leça da Palmeira para o que foram feitas várias diligências ao longo do tempo, até que em 1884, a Câmara deliberou a construção da praça do mercado que ficava localizado do lado poente do actual com uma forma quase triangular. Porém, esta construção nem todos satisfazia pois para além dos preços elevados de aluguer das barracas também as condições de segurança deixavam a desejar.
Deste modo em 1939 a Câmara decide lançar um concurso de ideias para um novo mercado, o qual abrangeria os terrenos entre a Rua de Conde S. Salvador e Avenida Marginal para o que houve que proceder à expropriação de vários prédios nomeadamente a antiga Capela de Santo Amaro localizada junto à actual entrada principal do mercado e cuja frontaria se encontra a ser reposicionada à saída da ponte móvel num arranjo urbanístico de organização do espaço.
O concurso foi ganho por um gabinete do Porto, o ARS - arquitectos, propriedade dos arquitectos Cunha Leão, Morais Soares e Fortunato Cabral


















e que na época foram autores de imensos trabalhos em Matosinhos, nomeadamente o projecto do Hotel Porto Mar e o de diversos edifícios de habitação e o de algumas fábricas de conservas.
Apesar de o projecto ter sido adjudicado em 1939 ao gabinete ARS – arquitectos a obra só foi iniciada em 1944 por dificuldades surgidas com as expropriações.
O mercado municipal tem a sua fachada principal voltada para Leça da Palmeira, é disposto em dois pavimentos, aproveitando o declive do terreno, sendo o inferior para a zona do peixe e o superior mercado geral (hortaliças, frutas, etc.). Esta divisão é marcada por um atravessamento transversal automóvel de serventia aos dois pisos permitindo a descarga de todas as mercadorias a partir do interior.
A cobertura da nave é constituída por uma abóbada parabólica delgada, em betão, dividida por lanternins de vidro assentes sobre peças pré-fabricadas. Tem 38metros de corda, 11 metros de fachada e 7cm de espessura, apoiando-se em vigas com a forma de arcos parabólicos que constituem a estrutura resistente de todo o edifício.
O estudo desta abóbada foi conseguido de forma a obter no cálculo as secções mais económicas com um mínimo de ferro, então muito inflacionado pela situação de conflito que constituía a II Guerra Mundial, o que levou até a que fosse equacionada a hipótese da construção provisória de uma cobertura em madeira, o que felizmente não foi concretizado pois as vantagens económicas eram insignificantes.
O nosso mercado constitui uma magnífica demonstração das possibilidades da arquitectura moderna e foi construído pelo empreiteiro matosinhense Luís José de Oliveira, sob a direcção técnica do Eng.º Luís José de Oliveira Júnior. Obra arrojada e pioneira apoiou-se à semelhança do que já se fazia noutros países, na aplicação de novos materiais como o betão armado.
Debaixo do piso superior estão localizadas as arrecadações, as instalações frigoríficas e outras. No seu contorno tem lojas independentes voltadas para o exterior.
O mercado foi inaugurado em 1952, com toda a pompa e circunstância pelo então Presidente da República General Craveiro Lopes, e ainda hoje se mantém cerejado, operacional acolhendo e convidando todos aqueles que gostam de se abastecer de produtos frescos e de qualidade.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 3 - Maio de 2009

Leça da Palmeira Antropológica - VII

Prosseguimos esta nossa senda por Leça da Palmeira procurando registar algumas vivências que nos são características. Assim, focaremos hoje um facto religioso que sempre apreciamos pois também na nossa família sempre o vimos fazer, referimo-nos à Procissão dos Passos.
Diremos, pois, que não é de agora mas de há muitos anos que a população de Leça da Palmeira acompanhada de muitos forasteiros que nos visitam, sai à rua para representar a caminhada de Jesus para o Calvário, em procissão tradicionalmente bem organizada, de uma forma invulgar de devoção e de religiosidade, disciplina impressionante, asseio, compostura impecável e muita fé, outrora e durante muitos anos sob a responsabilidade de António das Cardosas (Silva Armador), que nos deixou este belo legado.
Realiza-se esta nossa procissão no domingo da Paixão, num período do ano que o tempo é irregular, chovendo por vezes, dificultando a saída do cortejo religioso, despertando em todos curiosidade e expectativa; porém, sempre os leceiros acreditaram na concretização da sua lenda do “Sol na Caixa”.
Esta lenda diz-nos que as leceiras durante o ano guardam o Sol numa caixa de pinho para o fazerem raiar no dia da nossa Procissão dos Passos, permitindo assim que a mesma se realize.
O nosso pai, Moisés Jaime dos Santos, nas conversas meteorológicas a propósito, com os seus fregueses, mostrava sempre grande confiança, pois apontando para uma grande chave, antiga, pintada a purpurina prateada que guardava na sua oficina, dizia que com ela abriria a caixa à qual por vezes é preciso recorrer.
Existe também uma outra crença, que é a de que as leceiras vendo aproximar-se a hora da saída da procissão e o céu apresentando-se com nuvens carregadas ameaçando chuva, logo três Marias virgens corriam a varrer a galilé do Corpo Santo, com vassouras de giestas fazendo preces de bom tempo, desaparecendo a borrasca dando lugar ao Sol.
















Mesmo com todas estas vicissitudes a procissão lá saía da Igreja Matriz percorrendo as ruas, outrora estreitas de Leça, apinhadas de gente tendo os seus pontos altos nos Santos Passos constituídos por pequenos altares orlados a granito, encimados por uma cruz e com portas de madeira resguardando o quadro em tela com a respectiva cena.
Destes belos exemplares, elementos constituintes do nosso património já só existem três. Um na rua de Santana, outro no muro do adro da igreja e um outro na rua da Alegria junto ao prédio n.º 1, e também ele um bom exemplar das casas nobres de Leça. Pena foi que um outro que existiu na rua Heróis de África no muro da casa do Sr. Pinheiro tenha desaparecido dando lugar a uma coisa parecida com umas alminhas, injustificávelmente. Este Santo Passo tinha sido transferido para aqui vindo do Largo do Armado, quando da construção da doca.
Fica-nos a dúvida se ainda existe o do inicio da rua de Óscar da Silva, mas vamos lá ver.
Aqui gostaríamos de deixar um alerta para a defesa dos Santos Passos existentes porque também são património. E porque não a constituição de uma comissão para a defesa e reimplantação dos Santos Passos Leceiros?
Há localidades como Vila do Conde e Vila Nova de Cerveira onde os Santos Passos são autênticas capelinhas com imagens, sendo visitadas durante todo o ano.
Prosseguia a procissão rumo ao Sermão do Encontro que já teve lugar no desaparecido Largo do Armado, Largo da Ponte (inicio da Rua Óscar da Silva) e no Largo do Padrão (á Rua Direita). Actualmente realiza-se, e muito bem, no Jardim do Corpo Santos.
A procissão terminava com o Sermão do Calvário, após recolher à igreja.
O Caminho Pascal prossegue com o Domingo de Ramos, com a bênção dos ramos de oliveira e alecrim, na igreja; e com a oferta do tradicional ramo às madrinhas, feita pelos afilhados, esperando o folar na Páscoa.
São estas tradições que se vão perdendo mas que nós junto daqueles que nos estão mais próximos procuramos manter.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 2 - Abril de 2009

Leça da Palmeira Antropológica - VI

Apesar de parecer que o mau tempo já lá vai e numa época em que frequentemente somos avisados para as mais variadas intempéries com alertas coloridos, parece que esquecemos o tempo que, ainda não há muitos anos, suportávamos.















Sim, porque no tempo em que tínhamos realmente as quatro estações bem definidas, os Invernos eram na realidade rigorosos, sendo suficiente recordarmo-nos das molhas que apanhávamos na paragem do autocarro junto aos bombeiros de Leça fazendo-nos, chegar ao outro lado da doca, para apanharmos o carro eléctrico que nos levaria ao Porto, já completamente encharcados e mais com vontade de voltar para casa do que prosseguir.
Por vezes o mau tempo era tamanho e tornava o mar tão bravo que na estrada marginal, entre a Estrada da Circunvalação e o Castelo do Queijo, as ondas saltavam aos eléctricos chegando a levar o pavimento, ficando o arruamento com um buracão até aos segundos carris.
Quando frequentávamos a Escola da Praia aqui em Leça da Palmeira, também as ondas do mar chegavam à estrada arrastando carradas de areia e deixando o areal com uma camada de espuma com altura suficiente para a rapaziada andar por debaixo.
O mar é para nós sempre o ponto de referência das tempestades, pois estamos numa zona de fortíssima exposição onde as vagas atingem muitas vezes os 10 metros e mais.
















Durante a construção dos dois molhes do porto de Leixões, o grande titã do lado Norte pesando 420 toneladas foi lançado à água por embate directo de uma vaga decorria o ano de 1892; um outro titã, com capacidade para levantar 90 toneladas, foi de igual modo atirado ao mar este em 1934, na extremidade do primeiro troço emerso, do quebramar exterior.
Nesta luta do mar com a costa, nomeadamente no caso do porto de Leixões, com os molhes como elementos artificiais que o mar sempre rejeita, pois como dizia a nossa mãe Brízida, não quer nada que não lhe pertença, os pontos mais gravemente atingidos foram sempre as curvas dos mesmos, as quais, por exemplo, nos temporais de 1911/1912 durante meses foram fustigados por violentos temporais que pura e simplesmente os arrombaram, como se vê nas fotografias que ilustram este texto, e só com a ajuda dessas máquinas fantásticas que ainda hoje existem, os titãs, peças valiosíssimas de arqueologia industrial, raríssimos a nível mundial e dos quais até termos dois, foi conseguida a reparação e a estabilização desses paredões.
Não podemos aqui esquecer nesta onda de mau tempo o grande naufrágio de 1947, em que o temporal uma vez mais levantando-se traiçoeiramente apanhou a grande comunidade piscatória no mar roubando cerca de cento e cinquenta vidas.
Também no inverno o Rio Leça galgava as margens submergindo a Ponte de Pedra e isolando o moleiro de Guifões.















E quando trovejava…? A luz dos relâmpagos iluminava os céus e percorria o interior das casas, apagando-se tudo num escuro aterrorizador à passagem do trovão, pois a energia eléctrica faltava, recorrendo-se ao tradicional candeeiro a petróleo. Então rezava-se a Santa Bárbara a seguinte oração suplicante, para que acabasse a trovoada: São Jerónimo /Santa Bárbara virgem / Chagas abertas / coração ferido. / O Senhor se meta entre nós e o perigo.
Havendo algumas variantes sendo a intenção sempre a mesma.
Tudo isto apesar de o clima de Leça da Palmeira ser o característico da orla costeira atlântica com temperaturas amenas, mas com ventos fortes principalmente em Agosto com as nortadas que a não existirem tornaria as nossas praias melhores do que as algarvias.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 1 - Março de 2009