Leça da Palmeira Antropológica - II

Como referimos na crónica anterior o “Porto de Leixões” transformou por completo a zona em que se tem vindo a desenvolver; isto é, no estuário do Rio Leça.
Este, nascido nuns juncais nos lameiros de Redundú, na freguesia de Monte Córdova, vem deslocando suavemente até desaguar no Oceano, cansado de um percurso de vinte e cinco quilómetros, operou outrora, o movimento de várias azenhas destinadas à moagem do milho.
Navegável para barcos pequenos ainda em 1483, até à ponte de Guifões, deixou de o ser, pela proibição régia decretada a pedido dos frades do Convento da Conceição por a navegação lhes perturbar o silêncio e a clausura religiosa que a sua regra os mandava observar, depois pela construção de açudes para as azenhas, precipita-se noutros pontos, em que abriu caminho estreito entre rocha granítica, para mudar do vale.
Desde que entrava no nosso concelho punha em movimento dezassete azenhas, algumas das quais ainda hoje existentes merecem uma visita pela extraordinária beleza de paisagem.
O rio Leça é atravessado por várias partes merecendo especial atenção a ponte do Carro em Santa Cruz do Bispo, a Ponte da Pedra muito perto do Mosteiro de Leça do Balio e cuja construção se atribui aos romanos.
Outrora existiram duas pontes que não podemos deixar de referir; isto é, a ponte de Guifões, por detrás dos silos, que era de origem romana e que dois invernos mais ásperos na década de oitenta do século passado, derrubaram deixando mais um rombo no património local que os responsáveis não souberam ou não quiseram salvar. Foi pena!
A outra, a ponte de pedra já muito perto da foz do rio, tinha dezanove arcos, sendo-lhe mais tarde suprimido um devido ao aterro para construção da Alameda de Leça.
Próximo desta ponte, pelo lado de montante, existiu um moinho, conhecido como a azenha do Baltasar.
Na foz do rio Leça existiu outrora uma velha fortaleza quadrada, que datava do tempo de D. Afonso VI e que desapareceu, como é natural pela evolução do estuário do rio. Porém, um outro forte existe ainda hoje próximo daquilo que seria a entrada do rio, e que foi mandado construir pelo conde de Lippe, no reinado de D. José I sendo das mais bem conservadas das fortificações do género, que nessa época se construíram na costa nortenha.
O rio Leça orlado em ambas as margens por arvoredo e de águas pouco profundas devido aos açudes era contudo navegável até Guifões, o que é confirmado por restos de uma embarcação que se julga fenícia encontrada quando da abertura de uma das docas.
Não podemos deixar de referir aqui, os pequenos barcos de fundo raso e guigas, que deslizavam nas suas águas, alugadas para passeios sendo conduzidos a remos e á vara.
O rio Leça terminava já nos nossos dias num sistema de comportas existentes mais ou menos no local onde se encontra actualmente a ponte móvel, e que impedia à maré cheia a invasão do rio doce pelas águas do mar, existindo contudo um outro braço do rio conhecido como o “rio salgado”, este menos referido.
Foi nestes encantos que António Nobre encontrou em Leça da Palmeira inspiração para muitas das suas melhores obras, onde transparecem os seus anseios, a sua magia sentimental e o seu saudosismo.
António Nobre cantou divinamente a nossa terra desde a ermida da Boa Nova até ao poético “Rio Doce”.

Eng.º Rocha dos Santos
in "A Voz de Leça" Ano LV - Número 7 - Outubro de 2008