Leça da Palmeira Antropológica - IX

Continuando com o mercado municipal de Matosinhos devemos referir para além da qualidade do projecto, com uma concepção que levou ao emprego de tecnologias à data inéditas, mas que a direcção técnica da construção da responsabilidade do Eng.º Luís José de Oliveira permitiu, com mestria, transformar uma obra arrojada pioneira, apoiada à semelhança do que já se fazia noutros países, na aplicação de novos materiais como o betão armado; numa obra admirada, alvo de curiosidade dos técnicos que a visitavam.
A construção dos arcos parabólicos foi feita recorrendo a pontes rolantes para o deslize da cofragem respectiva, algo inédito à data, e que fez uma vez mais salientar as virtudes da engenharia portuguesa.
Tudo no mercado de Matosinhos se tornou racional desde o projecto que teve que contar com as dificuldades económicas e ainda com os efeitos inflacionistas consequente da II Guerra Mundial, levando inclusivé ao estudo da abóbada ao pormenor máximo de modo a obter as secções mais económicas e com um mínimo de ferro, alvo de racionamento e cujo uso era alvo de um controlo muito rigoroso.
Contudo, os efeitos estéticos não encareceram a obra pois foram judiciosamente obtidos pelo estudo racional da planta em conjunto com os alçados e cortes de forma e conseguir-se volumes harmoniosos e originais.
Proporção nas superfícies, harmonia de linhas e de cores, variedade de volumes, são os recursos que a arquitectura moderna, valendo-se das possibilidades de certos materiais novos e relativamente económicos contrapõe às custosas concepções artísticas dos estilos antigos, nestes edifícios de carácter utilitário.
Os grandes pavilhões, apesar de constituírem a maior parte das vezes objectos de arquitectura autónomos, tornaram-se pela sua escala monumental símbolos na cidade, caracterizando a área em que se inserem. No contexto dos anos 40, já não se mostrariam “monumentais” no sentido historicista da representação de determinado poder, mas uma perspectiva funcionalista, que garantia o bem estar da colectividade.
A abóbada rasgada por ritmadas cortinas de luz, trás uma atmosfera rica em contrastes, conferindo uma grande espacialidade ao edifício.
No Mercado de Matosinhos pôs-se em prática a mais consequente exploração das novas possibilidades do betão, directamente noutros modelos já realizados na Europa; tendo afinidades com o Mercado de San Augustin, na Corunha, e o Mercado dos “Les Halles Centrales de Reims”, em França. Mas outros projectos nacionais se lhe assemelham, nomeadamente o Pavilhão de Exposições no Cais de Gaia, demolido em 2002. O Projecto do Mercado de Chaves e o do Bom Sucesso, embora este com outro desenvolvimento.
A colaboração entre artistas foi uma vez mais exemplo, também neste edifício; pois, a convite do ARS – arquitectos, foi proposta à Câmara Municipal de Matosinhos a execução de dois painéis cerâmicos para a frontaria principal a que viriam a juntar-se outros dois laterais com o brasão do concelho da autoria do ceramista matosinhense Américo Soares Braga, com o curso das Belas Artes do Porto e fazendo parte do grupo + Além.
No interior da loja situada no canto sul da fachada principal, utilizada durante anos como posto de turismo, teve um fresco da autoria de Augusto Gomes, e que infelizmente se “pôs ao fresco”.
Perante esta panorâmica resta-nos sugerir uma visita ao Mercado Municipal de Matosinhos pois o mesmo tem motivos de sobra que merecem ser vistos no seu aspecto estético, mas também os comerciantes são de uma simpatia impar para quem sabe respeitá-los.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 4 - Junho de 2009