Leça da Palmeira Antropológica - V

Na continuação do artigo anterior e a fim de o completar conforme prometido diremos que:
A Casa de Chá da Boa Nova foi objecto de um concurso público realizado em 1956 em que se propunha a “Apresentação de ante-projectos para o arranjo da plataforma da Boa Nova”.
















O arranjo deveria obedecer a um programa que incluía a adaptação da plataforma do antigo farol para miradouro. A construção de uma Casa de Chá – Restaurante com capacidade abrigada para cerca de sessenta pessoas, de interior confortável, ainda que modesto, e um terraço descoberto, abrigado dos ventos dominantes, tudo num só pavimento e situado na vertente sul. Esplanada em volta do edifício e ligação em vereda rústica, para peões, entre a plataforma e a pequena praia a norte.
O prémio do 1.º classificado foi de ESC: 10 000$00 (€50 euros) atribuído ao atelier dos Arqt.ºs Fernando Távora e Francisco Figueiredo.
















Em deslocação ao terreno efectuada pelo Arqt.º Fernando Távora acompanhado dos seus colaboradores, os jovens arquitectos Álvaro Siza, Alberto Nunes, António Menéres, Joaquim Sampaio e Luíz Dias, entendeu-se que o local ideal para implantação da construção seria aquele onde veio a ser levada a efeito e não a proposta no programa de concurso, deixando assim o desenvolvimento do projecto à equipe daqueles seus colaboradores.
Caberá aqui dizer que esta situação só foi facilmente ultrapassada porque a Câmara Municipal de Matosinhos era à data presidida por um homem de vistas largas, o Eng.º Fernando Pinto de Oliveira, nascido em Leça da Palmeira, a 15 de Setembro de 1911, vindo a falecer a 1 de Março de 1975, com 63 anos.
Após ter ocupado o cargo entre 1958 e 1970, não viu o seu mandato renovado porque, opondo-se à construção da Petrogal em Leça da Palmeira, teve a coragem de, em sinal de protesto, não comparecer à respectiva inauguração.
Com a decisão de construir a Casa de Chá sobre um penhasco, Siza e a sua equipa estudam cada um dos rochedos, procedendo ao levantamento pormenorizado do local, usando no projecto uma linguagem esclarecedora do sentido do espaço interior, limpando-o de quaisquer reminiscências revivalistas, esclarecendo a liberdade de modelação de paredes e coberturas, retomando plenamente materiais tradicionais, como por exemplo a madeira.















Esta obra ilustra bem o encontro entre a modernidade e a tradição, a funcionalidade e a simplicidade do espaço interior, de modo a conceder-lhe maior amplitude.
O embasamento em betão, sugere o mesmo tipo de solidez das paredes de baluartes e fortalezas.
As coberturas de uma só água ou num só plano, estavam previstas serem suportadas por uma armação em madeira, sendo substituídas por lajes de betão e consequente estrutura do mesmo material.
A inflexão da construção aconchega-a ao terreno, abrigando-a dos agrestes ventos Norte, muito frequentes, e abrindo ao sol quente de Sul.
No acesso exterior o percurso faz-se até à entrada através de um conjunto de plataformas e escadas que sugerem um “Calvário laico”, talvez a Via Sacra que falta à capela clássica situada na proximidade, a Norte. O visitante é convidado a participar na exaltação dramática do espaço onde aqueles elementos de acesso, plataformas e escadas, ancorados às rochas parecem protege-lo do abismo eminente, em que a Casa de Chá surge e desaparece sem nunca se deixar de ver.
No cimo deste caminho, a entrada principal faz-se sob um telheiro em consola como que preparando o visitante para o percurso sequencial, o interior.
A partir da entrada, as aberturas existentes permitem uma sequência de pictogramas da paisagem que variam à medida da progressão, revelando-nos o céu, o mar e as formações rochosas em contrastes maravilhosos.
Já no interior, um vestíbulo liga as duas alas do edifício, a sala de jantar a Norte e a de chá a Sul; sendo a primeira, com um envidraçado a toda a altura, aberta ao mar.
A Casa de Chá mostra um grau de mestria artesanal que ainda era possível atingir no princípio dos anos sessenta, acentuando as características do trabalho do autor, no acompanhamento da obra e no cuidado de estabelecer relações não conflituais entre o sitio antigo e natural e a criação arquitectónica, explorando a dimensão geográfica renovando sem drama aparente o diálogo entre o novo e o existente a modernidade e a tradição, a vanguarda e o regionalismo.

Eng.º Rocha dos Santos
in "A Voz de Leça" Ano LV - Número 11 - Fevereiro de 2009