Leça da Palmeira Antropológica - VI

Apesar de parecer que o mau tempo já lá vai e numa época em que frequentemente somos avisados para as mais variadas intempéries com alertas coloridos, parece que esquecemos o tempo que, ainda não há muitos anos, suportávamos.















Sim, porque no tempo em que tínhamos realmente as quatro estações bem definidas, os Invernos eram na realidade rigorosos, sendo suficiente recordarmo-nos das molhas que apanhávamos na paragem do autocarro junto aos bombeiros de Leça fazendo-nos, chegar ao outro lado da doca, para apanharmos o carro eléctrico que nos levaria ao Porto, já completamente encharcados e mais com vontade de voltar para casa do que prosseguir.
Por vezes o mau tempo era tamanho e tornava o mar tão bravo que na estrada marginal, entre a Estrada da Circunvalação e o Castelo do Queijo, as ondas saltavam aos eléctricos chegando a levar o pavimento, ficando o arruamento com um buracão até aos segundos carris.
Quando frequentávamos a Escola da Praia aqui em Leça da Palmeira, também as ondas do mar chegavam à estrada arrastando carradas de areia e deixando o areal com uma camada de espuma com altura suficiente para a rapaziada andar por debaixo.
O mar é para nós sempre o ponto de referência das tempestades, pois estamos numa zona de fortíssima exposição onde as vagas atingem muitas vezes os 10 metros e mais.
















Durante a construção dos dois molhes do porto de Leixões, o grande titã do lado Norte pesando 420 toneladas foi lançado à água por embate directo de uma vaga decorria o ano de 1892; um outro titã, com capacidade para levantar 90 toneladas, foi de igual modo atirado ao mar este em 1934, na extremidade do primeiro troço emerso, do quebramar exterior.
Nesta luta do mar com a costa, nomeadamente no caso do porto de Leixões, com os molhes como elementos artificiais que o mar sempre rejeita, pois como dizia a nossa mãe Brízida, não quer nada que não lhe pertença, os pontos mais gravemente atingidos foram sempre as curvas dos mesmos, as quais, por exemplo, nos temporais de 1911/1912 durante meses foram fustigados por violentos temporais que pura e simplesmente os arrombaram, como se vê nas fotografias que ilustram este texto, e só com a ajuda dessas máquinas fantásticas que ainda hoje existem, os titãs, peças valiosíssimas de arqueologia industrial, raríssimos a nível mundial e dos quais até termos dois, foi conseguida a reparação e a estabilização desses paredões.
Não podemos aqui esquecer nesta onda de mau tempo o grande naufrágio de 1947, em que o temporal uma vez mais levantando-se traiçoeiramente apanhou a grande comunidade piscatória no mar roubando cerca de cento e cinquenta vidas.
Também no inverno o Rio Leça galgava as margens submergindo a Ponte de Pedra e isolando o moleiro de Guifões.















E quando trovejava…? A luz dos relâmpagos iluminava os céus e percorria o interior das casas, apagando-se tudo num escuro aterrorizador à passagem do trovão, pois a energia eléctrica faltava, recorrendo-se ao tradicional candeeiro a petróleo. Então rezava-se a Santa Bárbara a seguinte oração suplicante, para que acabasse a trovoada: São Jerónimo /Santa Bárbara virgem / Chagas abertas / coração ferido. / O Senhor se meta entre nós e o perigo.
Havendo algumas variantes sendo a intenção sempre a mesma.
Tudo isto apesar de o clima de Leça da Palmeira ser o característico da orla costeira atlântica com temperaturas amenas, mas com ventos fortes principalmente em Agosto com as nortadas que a não existirem tornaria as nossas praias melhores do que as algarvias.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 1 - Março de 2009