Leça da Palmeira Antropológica - VII

Prosseguimos esta nossa senda por Leça da Palmeira procurando registar algumas vivências que nos são características. Assim, focaremos hoje um facto religioso que sempre apreciamos pois também na nossa família sempre o vimos fazer, referimo-nos à Procissão dos Passos.
Diremos, pois, que não é de agora mas de há muitos anos que a população de Leça da Palmeira acompanhada de muitos forasteiros que nos visitam, sai à rua para representar a caminhada de Jesus para o Calvário, em procissão tradicionalmente bem organizada, de uma forma invulgar de devoção e de religiosidade, disciplina impressionante, asseio, compostura impecável e muita fé, outrora e durante muitos anos sob a responsabilidade de António das Cardosas (Silva Armador), que nos deixou este belo legado.
Realiza-se esta nossa procissão no domingo da Paixão, num período do ano que o tempo é irregular, chovendo por vezes, dificultando a saída do cortejo religioso, despertando em todos curiosidade e expectativa; porém, sempre os leceiros acreditaram na concretização da sua lenda do “Sol na Caixa”.
Esta lenda diz-nos que as leceiras durante o ano guardam o Sol numa caixa de pinho para o fazerem raiar no dia da nossa Procissão dos Passos, permitindo assim que a mesma se realize.
O nosso pai, Moisés Jaime dos Santos, nas conversas meteorológicas a propósito, com os seus fregueses, mostrava sempre grande confiança, pois apontando para uma grande chave, antiga, pintada a purpurina prateada que guardava na sua oficina, dizia que com ela abriria a caixa à qual por vezes é preciso recorrer.
Existe também uma outra crença, que é a de que as leceiras vendo aproximar-se a hora da saída da procissão e o céu apresentando-se com nuvens carregadas ameaçando chuva, logo três Marias virgens corriam a varrer a galilé do Corpo Santo, com vassouras de giestas fazendo preces de bom tempo, desaparecendo a borrasca dando lugar ao Sol.
















Mesmo com todas estas vicissitudes a procissão lá saía da Igreja Matriz percorrendo as ruas, outrora estreitas de Leça, apinhadas de gente tendo os seus pontos altos nos Santos Passos constituídos por pequenos altares orlados a granito, encimados por uma cruz e com portas de madeira resguardando o quadro em tela com a respectiva cena.
Destes belos exemplares, elementos constituintes do nosso património já só existem três. Um na rua de Santana, outro no muro do adro da igreja e um outro na rua da Alegria junto ao prédio n.º 1, e também ele um bom exemplar das casas nobres de Leça. Pena foi que um outro que existiu na rua Heróis de África no muro da casa do Sr. Pinheiro tenha desaparecido dando lugar a uma coisa parecida com umas alminhas, injustificávelmente. Este Santo Passo tinha sido transferido para aqui vindo do Largo do Armado, quando da construção da doca.
Fica-nos a dúvida se ainda existe o do inicio da rua de Óscar da Silva, mas vamos lá ver.
Aqui gostaríamos de deixar um alerta para a defesa dos Santos Passos existentes porque também são património. E porque não a constituição de uma comissão para a defesa e reimplantação dos Santos Passos Leceiros?
Há localidades como Vila do Conde e Vila Nova de Cerveira onde os Santos Passos são autênticas capelinhas com imagens, sendo visitadas durante todo o ano.
Prosseguia a procissão rumo ao Sermão do Encontro que já teve lugar no desaparecido Largo do Armado, Largo da Ponte (inicio da Rua Óscar da Silva) e no Largo do Padrão (á Rua Direita). Actualmente realiza-se, e muito bem, no Jardim do Corpo Santos.
A procissão terminava com o Sermão do Calvário, após recolher à igreja.
O Caminho Pascal prossegue com o Domingo de Ramos, com a bênção dos ramos de oliveira e alecrim, na igreja; e com a oferta do tradicional ramo às madrinhas, feita pelos afilhados, esperando o folar na Páscoa.
São estas tradições que se vão perdendo mas que nós junto daqueles que nos estão mais próximos procuramos manter.

Eng.º Rocha dos Santos in "A Voz de Leça" Ano LVI - Número 2 - Abril de 2009